segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

@liscapisca Meets The Television: Domingão da Casé!



Inhaí... após três semanas sem TV, estou de volta de meu retiro espiritual. E volto trazendo uma bomba: você sabia que os programas de entretenimento que passam na TV uruguaia são, em sua maioria, produzidos pela Argentina, e não no país? Diz uma amiga que tenho em Montevideo que isso acontece porque os uruguaios não dão bola para a TV enquanto entretenimento, não querem saber de produzir nem de assistir (os programas jornalísticos, obviamente, esses são feitos no país). Isso talvez explique a esmagadora quantidade de livrarias e sebos, os excelentes índices de educação e cultura do país (e todas as demais consequências, como ser o país mais seguro e de melhor qualidade de vida da América do Sul, só para dar uma noção do que é uma terra de gente civilizada).

Mas, bem, li hoje uma entrevista do Marcelo Médici para A Tribuna em que ele diz, em outras palavras, que a TV apresenta aquilo que o povo quer ver. Portanto, paremos de reclamar que a TV brasileira não tem qualidade – nós é que não temos senso crítico e continuamos a assisti-la. E estamos lá, espelhados nela. Faz sentido: a TV uruguaia não tem uruguaios porque eles estão ocupados longe dela. Mas tem argentinos, inclusive se exibindo no Big Brother, que lá se chama Gran Hermano, mas é igualzinho ao daqui: as legendas explicam “estão falando de Fulano e Beltrano”, “veja a briga de Fulaninha e Fulanalda”. O que me leva a concluir que rixa entre brasileiro e argentino não tem pé nem cabeça pois, enquanto sociedades consumidoras de TV, somos iguaizinhos.

Pois bem, a TV brasileira espelha a sociedade tão bem que agora tem um programa que BERRA Brasil-il-il-il, brasilidade é isso aqui, somos-um-país-tropical e etc e tal. A tradução perfeita daquilo que o Brasil é vai ao ar aos domingos, no horário do almoço, na TV Globo. Ou melhor: a tradução perfeita daquilo que o gringo PENSA que o Brasil é. Começa pela apresentadora, Regina Casé, que tem a cara do Brasil. É isso mesmo, crianças: Xuxa, Angélica, Eliana e Ana Maria Braga não têm cara de brasileiras (que tenham nascido fora da região Sul). A tia Regina Casé sim, essa podia ter nascido em qualquer lugar do país, do Oiapoque ao Chuí. Os convidados entram dançando ao som de um sambinha. Pára tudo: ATÉ O PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO VEIO SAMBANDO. Lembrei do Príncipe Charles dançando com a passista Pinah em 1981 (?). Ora se esse não é isso mesmo que o gringo pensa do Brasil, que é esse é o país em que até os mais improváveis caem no samba?

Enfim, o programa é um festival da disseminação dos estereótipos, e tudo aquilo que os gringos acham que todos os 180.000.000 de nós somos está lá: vários convidados do samba, uma escola de samba diferente a cada domingo, passistas de escola de samba usando biquíni prateado e muitas plumas no palco, crianças fantasiadas de nega-maluca (!) dançando o tempo inteiro, lá pelas tantas entra um grupo dançando funk-de-morro... Tudo com muita cara de o-Brasil-inteiro-é-o-Rio-de-Janeiro, até que lá pelas tantas entra um grupo de gaúchos vestidos com roupas típicas (todas muito longas e muito amplas) preparando um churrasco e fazendo a... dança do pezinho! Uma evidência comprometedora dessas e ainda tem quem não entenda por que o Rio Grande do Sul é um país à parte.

O programa tem alguns pontos muito positivos, por exemplo, o cenário chocantemente colorido (com cara de Televisa Producciones) em nada lembra as produções da Globo, o que me dá a impressão de que a criatividade chegou ao visual da Vênus Platinada. Fernando Henrique Cardoso usou seu tempo para dar declarações esclarecedoras a respeito da descriminalização das drogas, que defende, explicando o que é e como se faz, e citando exemplos que fizeram com que eu parasse de ver o ex-presidente como alguém da turma do legalize e finalmente aceitasse sua proposta como válida. A explanação foi rápida, curta e em termos claros, ou seja, prestou um serviço de utilidade, pois não há como não tê-lo entendido (e sabemos da dificuldade que as pessoas têm em entender um político, ainda mais um do calibre de FHC). Tem muita música, e ao vivo, o que para quem gosta do estilo (hoje foi só sambão, não sei se varia, me pareceu que não), é uma diversão e tanto. Particularmente samba não é minha praia, mas é um som que respeito e tolero, e foi bonito ver vários descendentes de sambistas famosos juntos fazendo uma música agradável aos ouvidos (contrastando com tanto lixo que jovens e adultos andam produzindo e chamando de “rock” ou de “funk”, duas heresias). Mas o que incomoda é essa insistência em que o Brasil é “uma coisa só”: um programa com cara de Brasil teria que ter no mínimo umas 5 horas de duração, para ter tempo suficiente para mostrar todas as nuances de um país tão variado quanto esse. Ou, pelo menos, a cada domingo deveria focar uma região/característica/aspecto cultural diversificado. Mas pelo formato do programa, senti que o enfoque à diversidade ficou só nos 5 minutos dedicados à dança do pezinho e ao churrasco gaúcho. E continuemos vivendo assim então, acreditando (e deixando todos ao redor acreditarem) que o país é 95% composto pelo Rio de Janeiro e 5% pelos demais estados.

Bobagens sobre a TV em tempo real – sigam-me os bons: @liscapisca

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